Recepção – Parte 2

Dando continuidade aos nossos estudos, no último artigo escrevi sobre Disposição e Recepção Clássica, conforme investigamos nas obras do período Medieval, nesta segunda parte do artigo gostaria de estender o assunto trazendo maiores referências e explicando o significado prático das Recepções.

Algo que gosto de fazer é buscar certos fundamentos em mais de uma obra astrológica para perceber similaridades e também diferenças, de autor para autor, na aplicação de tais fundamentos e na teoria que os cerca. Deste modo, busquei em algumas obras, que vou citar adiante, o significado do conceito de Recepção e sua forma de aplicação dentro de uma carta astrológica.

“A recepção dos planetas é quando um planeta está unido a outro planeta a partir de seu próprio domicílio ou sua própria exaltação; então ele o recebe com um bom espírito e em uma recepção perfeita. Há também outra recepção que está abaixo desta, ou seja, é menor do que esse tipo, a saber: quando um planeta está unido ao governante de sua própria triplicidade e termos ou ao governante dos termos e da face, ou seja, quando ele está unido a um planeta que tem em seu próprio lugar duas ou mais dessas dignidades menores; e então será uma verdadeira recepção. Mas se houver apenas uma, não haverá recepção ali; e ele diz isso porque algo diferente disso foi transmitido sobre isso, e por um astrólogo habilidoso, é dito que não tem importância. Um exemplo disso é quando a Lua estava em Áries e está unida a Marte, que é o governante de Áries , então Marte a receberia porque ela está em seu domicílio ou quando ela se juntou ao Sol, que é o regente de sua exaltação [naquele signo]. Ou ela estava em Touro e se uniu a Vênus ou em Gêmeos e unida a Mercúrio. Essa é uma recepção perfeita.” – Sahl Ibn Bishr, The Introduction to the Science of the Judgments of the Stars. Tradução da versão Latina para o Inglês por James Holden.

Veja que a descrição do conceito de Recepção, por Sahl Ibn Bishr, que viveu entre os séculos VIII e IX e foi um renomado astrólogo, servindo inclusive ao vizir de Bagdá, é exatamente aquilo que foi descrito na Primeira Parte do nosso artigo. Trago a descrição de Sahl para vocês poderem verificar por si mesmos, e com clareza, o significado deste conceito. Há muita divergência sobre “Recepção” na modernidade, então se faz necessário buscar nas várias obras antigas as definições corretas deste conceito, afim de espantar potenciais equívocos. Note que Sahl enfatiza que a recepção com apenas uma dignidade menor, não é uma recepção de fato, outros astrólogos vão dizer que esta é uma recepção “fraca”, e que a verdadeira recepção ou recepção “perfeita” dá-se quando o planeta “A” está em uma dignidade Maior pertencente ao planeta “B” enquanto aspecta este, ou em DUAS dignidades Menores simultaneamente. Veremos a repetição desta mesma definição mais à frente. É importante saber que o conceito de recepção faz parte da estrutura fundamental da Astrologia, este conceito é citado ao longo de toda a obra de Sahl, inclusive é sua “Sexta Consideração” sobre a Força dos Planetas: “O sexto é quando ele é recebido.” A recepção é um dos critérios utilizados por Sahl para determinar a força de um planeta. Aqui evidenciamos a utilização de Recepção em Astrologia Horária.

“E quando o primeiro e o segundo senhores da triplicidade do ASC estão cadentes dos ângulos e também estão impedidos de outra forma, eles significam uma curta duração da vida do nativo, especialmente se Saturno estiver em um ângulo em natividades noturnas ou Marte em natividades diurnas. Mas se a Lua é recebida, significa bondade de criação, e a benevolência dos homens para com ele, e muitos irmãos, aliados e amigos.” – Abu Ali Al-Khayyat, Julgamento das Natividades. Tradução da versão Latina para o Inglês por James Holden.

Abu Ali Al-Khayyat viveu no mesmo período que Sahl Ibn Bishr, entre os séculos VIII e IX, foi discípulo de Mashallah – que escreveu um livro importante de Astrologia Horária tratando justamente do tema de Recepções, para vocês verem a importância deste conceito. Que foi absorvido de Mashalah para Abu Ali. Na obra de Abu Ali, ele aplica o conceito em Natividades em sua obra Julgamento das Natividades. Note que no trecho citado acima, ligado ao Primeiro Capítulo da obra, Abu Ali diz que se os dois primeiros Senhores da Triplicidade do Ascendente estiverem mal configurados, significam uma condição ruim para a vida do nativo – sugerindo uma curta duração de vida para o nativo, principalmente se o Maléfico contrário à seita da natividade se encontrar angular. E então vem a cereja do bolo: Ele diz que se a Lua é RECEBIDA, significa bondade de criação e a benevolência dos homens para com ele, muitos irmãos, aliados e amigos – ou seja, numa carta onde há condições ruins para o nativo, uma Lua em recepção pode elevar a qualidade da natividade e diminuir os problemas enfrentados pelo nativo, trazendo benevolência e amigos que vão dar suporte ao nativo.


“Além disso, se o senhor do ASC e da Lua estão em ângulos, livres dos aspectos dos planetas maléficos e de impedimentos, e ela se aplica a planetas em ângulos, eles prometem prosperidade para o nativo, especialmente se forem recebidos.” – Abu Ali Al-Khayyat, Julgamento das Natividades. Tradução da versão Latina para o Inglês por James Holden.

No Sétimo Capítulo da obra de Abu Ali, ele nos fala novamente sobre Recepção, tratando agora sobrea Prosperidade e Adversidade do Nativo. Perceba que ele enfatiza a condição de RECEPÇÃO como um fator ESPECIAL que eleva ainda mais a condição de prosperidade determinada pelas configurações citadas na natividade. Aqui temos indicadores fortes de como podemos compreender e interpretar as Recepções dentro das Natividades.

“[Abbr. III.52-55] Reception is whenever, with a star being situated [somewhere], and with another one in the domicile of [the first one] chasing after it, the one placed [there] receives, from the one chasing, what it conveys and offers. For the other occupations of dignities are not very efficacious unless two [dignities] come together in one [planet]: like triangularity and the bound, or the bound and face, or the like.

And there is another kind of reception: when some on of the planets occupies the trigon of the other, or the hexagon together with it, [but without an application, though reception with an application is stronger].

And moreover, if one is arising by as many degrees as another, [or] even if the days of one sign were equal to those of another, or if even the two signs belonged to one Lord.

[Gr. Intr. VII.5.1108-24] Reception is that a planet would be joined to a planet from the domicile of the one to which it is joined, or from its exaltation or bound, or from its triplicity or face, and it would receive it. Or, a planet would be joined to a planet, and the receiver of the conjunction is in the domicile of the pusher or in the rest of its dignities which we said before. And the stronger of these will be the Lord of the domicile or of the exaltation. However, if the conjunction were only with the Lord of the bound or the Lord of the triplicity, or with the Lord of the face, the reception will be weak, unless the bound and triplicity are being joined, or the bound and the face, or the triplicity and the face: because then it will be a perfected reception.” Os trechos acima são atribuídos à Abu Mashar, estão presentes na Obra “Introductions to Traditional Astrology: Abü Ma’shar & al-Qabïsï.” do Dr. Benjamin Dykes.

O Primeiro trecho está contido originalmente na obra “The Abbreviation of the Introduction to Astrology” e o segundo trecho consta originalmente na obra “Great Introduction to the Knowledge of the Judgments of the Stars.” Citados por Dykes, mas ambos pertencendo a Abu Mashar. Nestes trechos vemos a repetição do conceito citado por Sahl Ibn Bishr no início deste texto. Vemos a necessidade de uma dignidade maior ou duas menores envolvendo a recepção para que seja considerada de fato perfeita e passamos a saber que existem outras formas de Recepção a serem mencionadas a seguir. Ele ainda reforça algo que falamos na Parte 1 deste artigo, que a recepção pode dar-se por aspecto separativo, mas quando ela ocorre por aspecto aplicativo é ainda mais forte e auspiciosa, e reforço aqui que ela pode dar-se por signo inteiro também – quando o Planeta A está na dignidade de B e ocorre o aspecto entre eles por Signo Inteiro, mas não por orbe, o que seria um indicador de recepção mais fraca, mas ainda sim é uma recepção e deve ser interpretada como tal, tendo menor ênfase que uma recepção aplicativa.  

Agora notemos o seguinte trecho citado anteriormente: “And moreover, if one is arising by as many degrees as another, [or] even if the days of one sign were equal to those of another, or if even the two signs belonged to one Lord.” “Além disso, se um está surgindo em tantos graus quanto outro, [ou] mesmo se os dias de um signo foram iguais aos de outro, ou se mesmo os dois signos pertenceram a um Senhor.” Aqui ele fala de três condições diferentes que envolvem a recepção signos que possuem mesma equivalência, seja por serem regidos pelo mesmo planeta, ou por terem a mesma duração, ou ascenção. Este ponto específico merece nossa atenção e vou discorrer sobre esta parte em um Terceiro Artigo, para não delongar ainda mais este texto.

– E como interpretar uma Recepção?

Sobre isto pretendo desenvolver posteriormente um texto exclusivo sobre Recepção em Astrologia Horária., este ponto também merece nossa atenção e deve ser visto com o tempo e espaço merecidos. Abraham Ibn Ezra, astrólogo do século XI – XII, em sua obra “The Beginning of Wisdom” nos deixa orientações preciosas de como podemos compreender e interpretar as recepções, veja: “Se um planeta recebido fosse uma Fortuna, sua força é aumentada; mas se for uma Infortuna, será diminuído de seu mal.” Aqui encontramos uma preciosa chave. Planetas benéficos ou condições benéficas no mapa envolvidas em Recepção tem seu efeito ampliado e melhorado como vimos também no trecho aqui citado de Abu Ali sobre a Prosperidade do Nativo. E caso esta recepção envolva Planetas Maléficos ou uma condição ruim, estes males são diminuídos, contornados, abreviados de alguma forma, como também vimos no trecho cita anteriormente da obra de Abu Ali sobre o primeiro capítulo que fala da Vida do Nativo, em que ele cita uma condição ruim ligada aos Senhores por Triplicidade do Ascendente Natal e esta condição ruim sendo diminuída pelo fato da Lua estar em Recepção, note que tanto o Ascendente quanto a Lua são significadores potenciais sobre a Vitalidade e a condição de Vida a qual o nativo experimentará, enquanto um Significador trazia amargor, o outro adoçava o Significado e melhorava a condição geral do nativo.

Ibn Ezra ainda nos dá outras preciosas chaves de interpretação: Ele diz que a recepção, dependendo de sua categoria, e aqui provavelmente ele se refere à Mútua Recepção, pode indicar coisas inesperadas que acontecem com o nativo, obviamente para seu bem – melhorando certas condições benéficas ou mitigando certos males, conforme a configuração que estejamos analisando, e se uma recepção fraca, que ele chama de generosidade, estiver envolvida pode indicar uma estima entre as partes, e consequentemente uma melhor fluidez do assunto devido à esta estima ou amizade, mas de modo menos notável do que uma Recepção Mútua. E então percebemos que dentro do tema de Recepções ainda há escalas ou categorias, que tornam esta recepção mais forte ou fraca, capaz de representar grandes benefícios ou apenas um grau leve de melhoria do assunto.

Ficamos por aqui, nesta parte do artigo, no próximo artigo pretendo falar das outras formas de Recepção e os comentários que o Dr. Benjamin Dykes faz sobre este ponto específico, em sua obra “Introdução à Astrologia Tradicional – Abu Mashar e Al-Qabisi.”

Rafael Diniz,
Sírius Astrologia Tradicional.

Bibliografia Consultada:

– Introductions to Traditional Astrology: Abu Mashar & al-Qabisi – Dr. Benjamin Dykes. – The Cazimi Press.
– The Judgments of Nativities – Abu Ali Al-Khayyat, Tradução do Latim por James Holden.
– On Reception, Mashallah – Tradução Clélia Romano.

(Imagem Ilustrativa: Página de título de uma edição alemã de 1504 de De scientia motvs orbis, originalmente de MāshāʼallāhFonte: Typ 520.04.561, Houghton Library, Harvard University)

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